sábado, 26 de junho de 2010

Jogo sem ter hora para terminar

Acordou às 5 horas da manhã. Não queria se atrasar. Já tinha combinado com todos, desde a semana passada. Pegou os sapatos, a camisa, o calção, tomou café, voltou a se arrumar, ainda deu tempo para ler o jornal. Sabia que naquela hora todos os jogadores estavam acordados, eufóricos e preparados para jogar.

Seu nome é Ruy, Ruy de dona Neném como é mais conhecido, tem mais de 60 anos e todos os sábados joga com seus amigos no campo do América Futebol Clube. É o mais experiente da partida e o mais conhecido também. Quando chega cumprimenta todos e faz todos caírem na risada. “O importante não é o simples fato de jogar e sim se divertir e colocar a tristeza e o tédio de lado” diz Ruy de Dona Neném.

Pronto, está na hora de começar a partida. Todos em seus postos, alongando pulmão, braços e pernas. O jogo vai começar. De início o capitão (e dono da Bola) relembra as regras do jogo: “Não vale entrar muito duro, isso é uma brincadeira; não vale chutar muito forte; e não é permitido nem mulheres nem filhos ligando, só termina quando todos estiverem cansados”. Por que jogo entre amigos não tem hora para terminar.

Nosso personagem principal começa como titular, brinca ali, solta uma piada ali, pega na bola umas quatro vezes, cinco vezes. Perde a chance do gol umas duas vezes e mandam ele se sentar. O marido de dona Neném reclama dizendo que “não passaram a bola para ele como deveriam, e quando passavam, ele estava muito marcado”. A insatisfação só termina quando um dos seus amigos faz um gol e aponta para a torcida. Não é final de copa do mundo, mas anima todo o público.

Pronto, agora quem vai entrar são os retardatários, os que demoraram a acordar, parece que esses tiveram uma noite longa ontem. Eles se preparam e pedem para serem escalados. Os titulares do segundo tempo, como eles gostam de serem chamados, estão prontos e vão participar da brincadeira. Os que saem parecem nem cansados. Riem e fazem brincadeiras, e comentam como perderam aquelas chances, que nem Ruy perderia.

Depois de quase duas horas de jogo, o juiz sol apita o fim da partida. Alguns dizem que o sol está muito quente e que não dá para respirar direito, outros dizem que o jogo está fácil demais e está na hora de terminar com alguma bebida geladinha. Os mais novos, com 40-50 anos arriscam ainda a cervejinha, os mais experientes optam pela água.

Sentam, conversam mais um pouco, soltam mais novas piadas e as mesmas piadas de Ruy, a explicação é que os que chegaram depois não escutaram as piadas e não podiam ficar de fora. Rodas de conversas, até que cada um pega seu telefone e começa a ligar para as esposas, filhos e filhas para retornarem as suas casas.

À medida que suas mulheres e torcedores do casamento vão chegando, os jogadores vão se despedindo, e lembrando que no próximo sábado terá mais um jogo, um jogo decisivo a favor da vida e da saúde e contra o ócio e a tristeza. Por que como Ruy afirma “o importante é sentir-se vivo”.

Bicicleta, entre o erro e o sucesso

Vi um dia desses um menino aprendendo a andar de bicicleta. Lembrei que aos 14 anos eu fui aprender a andar. Meu pai irritado e aborrecido por que seu filho de 14 anos era um “froxo” que tinha medo de andar de bicicleta. Me bateu, disse para eu tentar. Meus avós, meus primos menores (que já sabiam andar de bicicleta) assistiam ao espetáculo meu e do meu pai.

Naquele dia, saí de lá aprendendo, e aprendi também um monte de palavrões, palavras ditas na brutalidade do ser humano quando este está quase fora de controle, por que como sabemos o homem perde sua razão, quando por algum motivo é considerado inferior aos demais. Vivemos sempre nos comparando aos demais, e nessa comparação queremos de alguma maneira, sentirmos melhores, mais capacitados.

Depois desse dia aprendi a andar de bicicleta, meu pai teria cumprido seu papel de bom pai, pai presente, pai que conseguiu ensinar uma das tarefas básicas a um filho. Eu, com toda minha estupidez, consegui aprender a andar de bicicleta. Não era mais um fado pesado, vergonhoso para meu pai, pelo menos eu sentia isso naquele exato momento.

Alguns anos se passaram, entrei na faculdade e comecei a escrever. Lembrei desse episódio, e quando comentei, muitos chocados disseram que nunca aprenderam a andar de bicicleta. As razões eram as mais distantes e improváveis do mundo, desde medo de cair e se ralar, não ter tido ninguém para ensinar quando pequeno, até não ter dinheiro para comprar uma bicicleta.

Não sabia se me sentia super orgulhoso pelo fato de eu ser superior aos demais (retorno da comparação animalesca que o ser humano coloca diariamente em sua convivência com os demais), me sentia triste por que os outros não tiveram um pai presente como o meu ou não ter condição financeira para uma coisa que me parecia tão banal, mas para eles era um gasto tão exorbitante e surreal.

Continuei conversando com uma amiga minha que nunca teria aprendido a andar de bicicleta, seu pai, ausente durante a infância, teria dito que ela não aprenderia nunca a dirigir se não aprendesse primeiro a andar de bicicleta. Por que ao aprender a se equilibrar numa bicicleta é como manter-se equilibrado na vida, entre o erro de cair e de se manter firme e confiante perante aos obstáculos da vida.

Até concordo com o fato de andar de bicicleta é sentir-se firme e confiante, evitar o erro, a queda. Evitamos passar pela areia fofa, evitamos andar entre carros, entre carros e cercas, evitar apostar corrida em terrenos que desconhecemos e o nosso concorrente conhece, por que o final pode ser uma queda entre as pedras e você perder um dente, dente de leite, mas dente.

E lembrei que essa tarde, teria combinado de andar de bicicleta no Parque da Cidade, local onde toda essa conversa teria começado. Vou tentar ensinar essa minha amiga a andar de bicicleta, não sou pai, não sou bruto, nem sou sábio. Apenas quero mostrar que entre a sensação da queda e o vento na face, existe a sensação de liberdade e felicidade.