terça-feira, 19 de abril de 2011

Quarenta guerreiros com milhares de rostos

Quarenta guerreiros com milhares de rostos

Manifestantes se unem para protestar contra preços abusivos da gasolina

Por: Gunther Guedes

Não tinham as caras pintadas, não usavam roupas de palhaços e não eram estudantes de medicina brigando e correndo contra a ditadura militar, mas eram jovens e adultos com idéias reivindicando e lutando contra os preços absurdos de gasolina cobrados pelos donos de postos de gasolina na cidade do Natal.

A movimentação que nasceu de uma pequena classe burguesa, no entanto que abrange toda uma sociedade contrariada começou apenas com alguns comentários insatisfeitos na grande rede, assim como outros movimentos, no entanto, ao contrário dos fracassados se tornou Off-line, ou seja, saiu das redes sociais e se tornou expressão política e social no contexto real da cidade. Houve, de fato, a chamada revolução Off-line.

E nessa revolução, mais de 15 mil pessoas integram cada comunidade/perfil das redes sociais. São pessoas que compartilham informações a respeito do tema. E nesse partilhar, adotaram ações emergentes, entre elas o “Boicote aos postos de gasolina BR”. Uma iniciativa que já está no sexto encontro e sempre opta por ocupar postos de gasolina, que aumentaram drasticamente os seus preços, como forma de protesto e fazer-se ouvir.

No sexto encontro do grupo, eles ocuparam um dos postos mais importantes da cidade, o Posto BR localizado na esquina da Prudente de Morais e Bernardo Vieira, duas principais vias de transporte da cidade. Eles queriam estar visíveis aos olhos daqueles que nada vêem se não fossem à tela do computador ou a traseira do carro da frente.

No entanto, esses mesmos motoristas vidrados e amedrontados pelo terror das grandes cidades, assistiam naquele momento a aquele espetáculo da democracia. Não sabiam o que achavam. Alguns diziam que era sensacional ou ato de bravura, outros, entretanto, afirmaram que era loucura ou ato de vandalismo. As opiniões se misturavam como as cores dos carros que ali trafegavam.

Os ditos vândalos, não quebraram nada que não fosse o silencio da insatisfação de milhares de consumidores. Eles se orgulhavam de terem saído da frente do computador e de suas redes sociais e se terem se unido ao convite da democracia. Abandonaram o só falar para fazer.

E assim o fizeram. Dos 15 mil guerreiros, apenas 40 guerreiros e guerreiras trocaram os 140 caracteres do Twitter por panfletos entregues nas ruas. Agora a única coisa que eles seguiam eram suas próprias ideologias e convicções. “Nós não vamos parar até que os donos de postos de gasolina abaixem os preços do combustível! Vamos nos manter firmes!” exclama Eric Cavalcanti, estudante de direito e dono do perfil @gasolinanatal.

Eric permanece dentro do posto com um megafone. Fala com os motoristas dos carros, com passageiros do ônibus e com os pedestres. Chama todos para lutar pelos direitos. E mais uma vez, alguns riem, outros batem palmas e outros fecham os vidros. Mas Eric e seus companheiros não desistem.

Longe da correria, está o Marinilson da Silva, frentista do posto. Ele assiste a todo aquele movimento distante. Prefere não ser flagrado pela câmera do local onde trabalha contribuindo com tal movimentação. Afirma que a iniciativa é válida para a sociedade de maneira geral. “O que eles estão fazendo é para beneficiar todo mundo. Muitos chegam aqui e reclamam que sofrem ‘assalto’, eu entendo eles. Nós devemos procurar o que é melhor para cada um” defende.

“Eu tenho minha moto e sempre procuro os postos mais baratos. É natural de todo mundo. Mais os postos estão muito caros! Precisamos de pessoas corajosas como essas. Admiro eles” comenta o Marinilson.

Questionado sobre o que o chefe diria daquela manifestação, o jovem trabalhador diz que a manifestação pode ter chegado aos ouvidos do chefe, no entanto, nenhuma ordem foi declarada. “Ele deve esperar para ver o que acontece. Acho que ele não vai mandar fazer nada” comenta.

Parece que dessa vez o Marinilson estava certo, no entanto, em outros momentos manifestantes foram ameaçados ou constrangidos de diversas formas. Como no caso do idealizador e coordenador do @viacertaNatal e um dos grandes incentivadores da campanha #combustíveismaisbaratoja, Hudson Silvestre, que foi ameaçado e intimidado nas redes sociais e agredido fisicamente por um motoqueiro em uma cobertura de tráfego.

Hudson que tem dificuldade de locomoção e anda com o auxílio de muletas disse ao jornal Diário de Natal que o agressor começou a dar murros e chutes e ele não tinha como se defender por conta da sua dificuldade de locomoção. Quem o ajudou foi o motorista do carro que estava envolvido na colisão.

E não pára por ai. Alguns manifestantes na internet relataram que foram intimidados em outras mobilizações por fotógrafos misteriosos. Segundo os manifestantes, esses fotógrafos se aproximavam e capturavam imagens para amedrontá-los. No entanto o próprio poder público já decretou que qualquer atitude dessa forma seja denunciada para medidas legais e apuração.

Sobre ameaças e violências, Eric comenta que seu grupo nunca foi ameaçado ou agredido. Todos os métodos do seu grupo são pacificadores e não visam à violência ou o combate físico. Ele ainda afirma que ameaças podem atrapalhar a democracia “ameaças sempre vão existir quando vamos de encontro com os interesses de outra pessoa ou grupo. Nesse caso é o da população versus os donos de posto. Temos que ter cuidado” comenta.

Mas nem de momentos trágicos e tensos vivem as manifestações. Segundo a nutricionista Lizandra Rufino, 23, a iniciativa é um ótimo exemplo de viver a democracia de forma saudável, animada. “Toda hora as pessoas estão buzinando para a gente. Os motoristas e o pessoal do ônibus acenam. Todos estão juntos por um objetivo” comenta a jovem que levou sua irmã e o seu vizinho para ajudarem na campanha.

Liza, como gosta de ser chamada, disse que ligou para outros amigos informando da iniciativa. Mas muitos estavam ocupados e não puderam ir. “Todos precisam viver esse momento! Eu espero que mais pessoas venham conhecer e contribuir com a gente” conclui a nutricionista.

E no final da entrevista e da movimentação o grupo de fortes e destemidos guerreiros são chamados para uma fotografia. E um por um vai vindo timidamente para a foto. Pedem para esperar dois membros que atravessam a avenida. E quando todos estão prontos, alguns sorrisos tímidos são fotografados. Talvez, eles não saibam que ali não estão apenas quarenta rostos, mas milhares de rostos. Milhares de rostos insatisfeitos que continuam a se esconder atrás de telas de computadores.

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