sexta-feira, 9 de julho de 2010

Conhecendo Charles e sua vida

Tinha nome de rei, mas de rei não tinha absolutamente nada. Seu nome era Charles e vinha de uma família conhecida do interior do estado do RN. Era filho de um casal conhecido, "famoso" do interior, eram detentores de grandes lotes de terras e de várias cabeças de gado (riqueza do interior). Sua família buscava sempre ajudar aos mais necessitados. Todos eram tratados como iguais, filhos e empregados.

Alguns anos após, seus pais deixaram o mundo, primeiro seu pai, logo após sua mãe. Muito pequeno, com exatamente três anos, não entendia direito das consequências daquela partida tão absurda para os olhos de toda a cidade. Não perdera tempo pensando muito, continuara brincando no cercado, no mato, no curral com os criados. Foi assim que passou toda a sua infância e juventude.

Liderados agora pela sua irmã mais velha e seu marido, recém casados, eles assumiam todos os afazeres e contas da família, tentavam dar de comida para cinco irmãos e mais uma filha que estaria para nascer. Charles não entendia muito, era o mais novo da família, pegava ovos e os atiravam contra todos que passavam na rua. Eram dias aparentemente comuns.

Aos poucos, suas irmãs foram se casando com homens respeitosos, detentores de grandes terras, de comércio e de prestígio. A primeira, depois da irmã mais velha, se casou com o homem político, detentor de grandes terrenos, lotes de terra, de fazendas com grandes lagos, "açudes" como chamam os lagos no interior. A segunda casou com um comerciante e donos de frotas de taxi, ele gostava de viagens caras e de muito luxo, as duas estavam então "bem encaminhadas".

A última, e irmã mais velha por apenas um ano, se casou com um comerciante não muito rico, um homem generoso, amigável, gostava de agradar a todos da cidade. Domingo era dia de receber a família para almoço em sua casa. Mandava matar galinhas, comprar carne de gado, fazia o prato favorito de todos da família. No entanto, foi o primeiro a deixar o mundo, e sua irmã nunca mais se casara.

Charles, criado com os empregados da fazenda optou por casar com uma simples filha de família de criados, sem dinheiro, sem prestígio, e sem condições para se manter. Abrigaram-se em uma casa de frente para um curral fedido. As moscas e o mau cheiro eram os seus vizinhos e principais desculpas para negarem uma visita para Charles e sua esposa.

Parece até uma história contada nesses filmes sensacionalistas, mas é uma história verdadeira. Ao contrário dos filmes, o nosso personagem não é triste, decepcionado, amargurado, pelo menos não aparenta. Ao conhecê-lo, reconheci um homem de um sorriso tranquilo, sorriso de bondade no jeito de tocar, conheci um anjo na terra.

E como nunca soube que anjos poderiam ter filhos, Charles era incapaz de ter filhos, teria alguma enfermidade, má formação genética que não possibilitara de ter filhos. Agora, como homem mortal teve momentos felizes e tristes. Descobriu também que teria adquirido Mal de Alzeimer e Mal de Parkinson, mas não perdera o sorriso.

Retornei a sua casa, depois de longos anos, 10 anos. A mulher de Charles estava muito feliz podia ver em sua boca magra, em suas mãos secas devido ao sabão em pó e queimadas em virtude da exposição prolongada ao sol. Charles ria com encanto ao perceber que recebera visitas, acredito que não se importara se os visitantes eram conhecidos ou não, eles eram o mais importante, suas visitas.
Devido a idade não falava mais frases completas, babulsiava em suas tentativas. Tentava conversar, ao perceber que não entendíamos, ele apontava. Dessa vez apontara para a mesa, onde sua mulher, conhecida como Madrinha, preparava a mesa para o almoço.

Sentou-se primeiro, no canto da mesa, naquela cadeira que as pessoas do interior brincam dizendo que é o lugar de quem vai pagar a conta, acredito que estava feliz em ser o anfritrião da casa, seu sorriso demonstrava isso claramente. Madrinha servia a todos. Charles, no entanto, não conseguia comer, se incomodava com as moscas em seu prato, sua mulher preferiu se dedicar a assustar as moscas enquanto ele comia, ela fez isso durante todo o almoço.

Arroz, feijão e galinha caipira, esse era o almoço. Confesso que no começo estava irritado com as moscas e o mau cheiro, mas aquela cena de Madrinha e o sorriso de Charles me encantara de um jeito que teria mudado completamente meu humor, e o meu nariz perdera a importância. Acho que a minha visão era o que mais me importava naquele exato momento.

Ao terminar o almoço, Charles pediu para que esperar sua esposa almoçar e assim o fizemos, foram 20 minutos observando e conversando com Madrinha e vendo o sorriso e o olhar de alegria que Charles depositara aos presentes daquela refeição. Me levantei, fui deixar os pratos na pia, ao fazer isso, notei a quantidade de farelos que estavam espalhados no chão e na mesa, eram o sinal claro do Mal de Parkinson em C.

Terminada a refeição, o anfitrião nos apontou um local que ele queria nos mostrar, foi andando lentamente com a ajuda de sua bengala de madeira, e com tremedeiras na mão e nas pernas chegou a sua cadeira e posição que segundo Madrinha passara a maior parte do tempo sentado. A vista parecia simples, o terraço era de frente para o curral, alguns bois e vacas estavam sentados, era quase 16h. E nas poucas palavras que ele me disse, foram: elas estão se preparando para dormir.

A poeira foi baixando com a intensidade do movimento dos bovinos para dormir, sentados e observando a cena por meia hora, e com algumas interrupções para tomar água, notamos o que Charles queria nos mostrar, o Sol estava se pondo e a vista era incrível. Um pequeno lago mau cheiroso, verde, abandonado, agora refletia o laranja do sol, e na parede da casa de Charles você percebia o contraste entre o verde, entre o azul e o laranja do pôr do sol. Repito, era uma vista incrível.

Meus pais que me acompanhavam disseram que já estava tarde e deveríamos ir, meu pai quem estava no voltante nao gostava de dirigir a noite, e ainda mais por que naquela noite teria a festa da padroeira na cidade, pessoas embriagadas por todos os lados. Nos despedimos de Charles, agradecemos o almoço, abraços e abraços e fomos embora. E ele continuou olhando para a vista.

Ao sair tive uns arrepios gelados, parecia que algo de outro mundo tinha passado por mim naquele momento, e não sabia o que era e sendo assim escrevi esse relato. Esse relato só foi publicado agora, quando soube da morte de Charles há pelo menos um mês. Eu tinha esquecido do relato e de tudo que aprendi sobre as pessoas. Portanto, não esqueça do que aprendeu com os antigos, veja se o que aprende com as pessoas novas vale realmente a pena.

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