segunda-feira, 12 de julho de 2010

O vendedor de Trufas, Bruno

Meio da tarde, o sol começa a enfraquecer, deve estar passando das 16h. E lá vem ele. Sempre de bermuda verde escura, suada, suja e bastante velha. Suas camisas também já decorei, ele possui uma branca com uns detalhes cinzas e vermelhos, uma camisa amarela com uns detalhes brancos e uma preta com uns detalhes brancos, um desenho japonês que não consigo identificar.

Vem com seu isopor embaixo dos braços, anunciando o seu produto, as trufas que sua mãe prepara. Cereja, brigadeiro, avelã, morango, prestígio, crocante, entre outros sabores. Qualquer sabor sai por apenas 1 real. Ele diz que ao contrário dos outros, não quer dinheiro para formatura da faculdade, por que nem idade de faculdade ele tem, ele tem apenas 15 anos, ele quer apenas ajudar a mãe.

Muita gente não está nem aí para a história do menino que vende trufas, afinal história triste para a maioria é contada quase todos os dias no programa do Gugu, da Eliana, do Ratinho, do Luciano Huck, da Sônia Abrãao, e de tantos outros. Eles querem se deliciar da barata e apetitosa trufa.

Passado algum tempo, como estudante de jornalismo, e interessado cada vez mais em fazer curtas-metragens para colocar em festivais e concursos, por que tinha acabado de ganhar uma câmera filmadora, fui atrás do menino para saber a sua história, e ao descobrí-la, vi que mais uma vez muita coisa que eu pensava mudaria. A frieza jornalística de narrar por narrar não era comigo.

Morava em uma pequena vila do alecrim, seus pais divorciados, não conhecia seus irmãos, seu pai vivia no mundo, alcoolatra, viciado em inúmeras drogas e não reconhecia o filho quando o via. No entanto, sua mãe, simbolo de força, pessoa destemida, corajosa que teve que dar de sustento ao filho, mesmo sem nenhuma especialização, graduação, sem ter ao menos terminado o segundo grau completo. Até aí, muitas histórias parecidas pelo Brasil.

Bruno, como irei chamá-lo daqui em diante, e sua mãe estavam sentados em uma tarde normal, daquelas iguais que parece que nada vai acontecer. A mãe de Bruno normal, reclamava, apenas, do dedinho do seu pé, que estava dormente o dia inteiro, e Bruno reclamava de uma dor de cabeça, por ter sido exposto ao sol por período prolongados. E assim terminou o dia.

Passado alguns dias, Bruno não sentira mais dor de cabeça, usara boné e óculos escuros para vender as trufas. A dor de cabeça era uma coisa passageira, no entanto, a dormência do dedinho do pé de sua mãe parecia se prolongar por algum tempo. Alguns amigos disseram que podia ser sangue preso, ou seja, má circulação, falta de exercício. Afinal, ela cozinhava o dia inteiro as trufas e seu caminhar resumia a passar pano e ir na janela conversar com as pessoas da vila. Esperou mais algum tempo.

O tempo foi passando, pessoas comentando e a dormência continuava. Foi no médico, não encontrou nada, estranhou, mas passou vitaminas, e um remédio para caso de dores. Até que alguns dias depois, a dormência passou para os outros dedos dos pés e para o pé inteiro. Tocar o chão era uma dor insuportável, o peso de um pé "morto" era demais, e era necessário ir ao médico o mais rápido possível. Aquela dormência não era normal. E ela realmente não era.

Com um diagnóstico mais preciso, ela conseguiu ajuda do seu antigo chefe para viajar para São Paulo, e lá foi constatado que aquela dormência faz parte de uma doença rara e degenerativa, uma síndrome neurológica de evolução progressiva que se apresenta com manifestações oculares, motoras e mentais. Dificuldade na marcha, paralisia bulbar, demência e uma oftalmoplegia supranuclear são características singulares da Paralisia Supranuclear Progressiva. O que a mãe de Bruno possuia.

Registrados atualmente em pouco mais de 100 casos no Brasil e no mundo, as possíveis causas eram muitas, desde uma queda, até uma paralisia no cerebro, uma doença hereditária, uma má formação na construção do DNA da pessoa. As causas eram várias e a cura, então, inexistente para aqueles médicos. Bruno e sua mãe eram de longe católicos fevorosos, mas acreditaram que só assim poderiam vencer essa dificuldade. E venceram, pelo menos em parte...

A doença depois de meses e ter parado metade do corpo e ter atingido as mãos e causando uma certa semelhança com o Mal de Parkinson e o Mal de Alzeimer, pois a mãe tinha certos esquecimentos passageiros, Bruno e sua mãe acreditavam que a doença tinha realmente estabilizado. E estava na hora dele aprender a fazer as próprias trufas e vendê-las. Como nunca teria tido um pai, não necessitaria dele naquela hora. Eram apenas os dois.

Passado algum tempo, Bruno começou a vender em universidades, colégios, passou a projetar suas caminhadas, pegando o horário de saída das crianças nas escolas e depois, a tarde, entrando no campus universitário para vender suas trufas. Os setores que mais faziam sucesso eram os de humanas, por que segundo ele, tinham mais mulheres e elas gostavam mais do chocolate e dele.

Na volta, ele dizia que não tinha horário para voltar, dependia exclusivamente das vendas de sua trufa. Algumas vezes voltava às 15h, outras apenas as 17h. Era incerto. Só não podia voltar após às 18h, por que já era escuro e precisava fazer as do dia seguinte, dar banho em sua mãe, colocar o jantar, já que a vizinha, a que cuidava da sua mãe o dia inteiro, só podia ficar até as 18h. E assim fez durante um bom período de 05 meses.

Ao final do quarto mês, a doença de sua mãe voltou a apresentar evolução e não demorou um mês para que a paralisia total fosse completa. Ela morreu, e seu filho, paralisado, por que não podia fazer absolutamente nada para impedir a evolução da doença. E paralisado, literalmente, ficou por algumas horas.

Passada as horas de angústia e desespero, decidiu que era hora de continuar, seguir em frente, e não se deixar parar. Parece até cenas de filmes, mas para ele era difícil ver como um filme, no qual naquele momento não vemos finais felizes. Mas ele só viu que tinha que se manter e novos problemas apareciam. Aos 14 anos, não poderia morar sozinho, deveria recorrer a um parente próximo. Não podia nem sequer chorar sozinho pela morte de sua mãe.

O conselho tutelar junto com a promotoria da Criança e do Adolescente o acompanharam para sua avó materna que o cuidou. Ela não gostava que ele vendesse trufas, mas a sua aposentadoria não suportaria alimentar os dois e o pai embriagado que ele tinha. E é verdade, a avó materna sustentava o pai de Bruno.

E vendo ou não final feliz nessa história, assim termina essa história, conversei com ele, um dia desses, enquanto devorava uma trufa de brigadeiro e descobri que ele continua fazendo as trufas, consegue um dinheiro muito bom, paga suas coisas, roupa, material da trufa, passagens e até festas no final de semana. Encontrou uma namorada e voltou para escola. Atrasado, mas voltou. Seu pai continua embriagado pelos cantos e sua avó está muito bem. E brinca dizendo que não quer que sua história seja contada pelo Gugu, Ratinho, sua história fica assim, contada por quem o conheceu.



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